quinta-feira, maio 6

Fantasia Lusitana

Este era um dos títulos que mais me atraía no cartaz do Indie Lisboa este ano. O filme de João Canijo protagonizou a cerimónia de abertura, e por isso mesmo as entradas esgotaram num ápice. Também não pude ir à segunda sessão englobada no festival, a agenda era incompatível com horários de expediente. Felizmente esta produção nacional está a ser exibida no Campo Pequeno, e é de aplaudir a visão do programador porque foi ontem numa sala quase cheia que assisti ao filme.

Fantasia Lusitana debruça-se sobre a Lisboa neutral que vivia em alegria enquanto o resto da Europa se debatia num conflito sangrento. Ou assim parece inicialmente, a imagem oficial do regime mostra um Portugal forte e orgulhoso, um povo agradecido à perícia diplomática de Salazar por ter sido poupado às vicissitudes da guerra. Mas à medida que as imagens de arquivo e os comentários deliciosamente fabricados pela máquina do regime vão desfilando apercebemos-nos que algo está terrivelmente errado. Há momentos hilariantes, mas é de profunda tristeza o sentimento preponderante, o sabor que nos fica na boca ao final é amargo.

A paz em que Lisboa está mergulhada é uma paz podre, um peso ostensivo paira sobre a cabeça de todos. Os refugiados que enchem as ruas e esperam em filas intermináveis na esperança de resolver a sua situação. Lisboa para eles é apenas um ponto de passagem numa fuga que terminará noutro sítio. Existem vários tipos de refugiados, uns que não têm nada no mundo, outros que procuram desesperadamente alguém, até os ricos e aristocratas que se perdem em festas e idas ao casino na pretensão de estar a fazer umas férias da guerra. De pano de fundo uma populaça pobre e analfabeta, um Estado que se orgulha dos feitos históricos de Portugal e os apregoa, não tendo mais nenhum meio de defesa do que encher o peito.

Uma das únicas críticas que tenho a apontar ao filme é que não se tenha juntado ao testemunho das várias personalidades de outros países que passaram por Lisboa nesses tempos o testemunho dos locais. O ponto de vista local que é exposto é o do regime, mas com uma ironia impossível de disfarçar, mostrando sempre a fantasia à beira de desmoronar. Por outro lado talvez seja essa mesma a óptica do filme, mostrar de uma forma estanque a estranheza com que um desses peregrinos em fuga encarava o cenário à volta dele. O país estranho feito de fachadas de papier-mâché, onde as luzes continuam a brilhar à noite sem medo dos bombardeamentos, mas onde os fantasmas se arrastam incessantemente como no purgatório.

O filme apesar de não estar na lista de premiados do Indie 2010 merece de sobra a visita a uma sala de cinema. Aliás merece também retê-lo para mostrar aos nossos aos nossos filhos, anos nossos pais e aos nossos avós. Temos fraca memória, depressa esquecemos, mas aqui é possível reconhecer de forma inequívoca a personalidade portuguesa.

Parabéns ao João Canijo por ter a coragem de espicaçar a nossa memória colectiva. E um abraço ao Hugo dos Santos que foi quem fez a selecção das imagens de arquivo.

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